7 de outubro de 2008

A memória também nos faz chorar, mesmo quando nos conta histórias que alegres um dia foram.

Lendo o blog do Jarbas me deparei com esta triste cena e não resisti em publicá-la aqui.
Como não consegui copiar as fotos do site, vocês podem visitá-lo pessoalmente no
http://uivoslatidosefuria.zip.net
mais especificamente no dia 30/09/2008

DE QUEM É?!

Agora pouco subi pra tomar um café. Na Angélica vi algumas pessoas revirando e folheando uma pilha de coisas jogadas calçada, do outro lado da avenida. De longe pareciam livros. Lógico, atravessei pra conferir. Eram álbuns de fotografia. Dezenas deles. Acho que, sem exagero, uns oitenta. Álbuns grandes e grossos. Daqueles antigos, com acabamento luxuosos, em couro. Todos minuciosamente catalogados. Lugares e datas. Tudo organizado e legendado com caneta esferográfica de um azul desbotado. Lá estava, jogado no meio fio: o mundo todo e a história de alguém. Europa, EUA, Ásia, o mundo todo! Tinha até um álbum das Ilhas Galápagos. Vi fotos de um dragão de komoda. Depois de alguns instantes, um funcionário do prédio apareceu com um carrinho de supermercado com mais álbuns para jogar ali.

- De quem é isso? Perguntei.
- É de um senhor que morava aqui. Semana passada ele foi pruma casa de repouso e o filho mandou jogar tudo isso fora. O apartamento foi vendido.

Isso mesmo. O cara estava dispensando a história da família dele.

Quando falo história, estou falando do documento, do registro. Tenho certeza que a história de alguém não sei constrói com fotografias, óbvio.

E, na fotos, além de paisagens, há pessoas. Sempre as mesmas. São fotos de uma família em suas varias épocas e lugares do mundo. Vi a foto deste Homem, o funcionário mostrou uma. Ele não soube dizer o nome dele. Só sabe que está bem velho e foi prum asilo. E a história de uma vida toda ali, jogada. As pessoas foram se amontoando para olhar. Uma indignação só.

- Como pode?! Todos se perguntavam.
- Pode pegar?!
- Tão dando...?
- De quem é...?

E começaram a pegar. Fotos de praias, de montanhas, da neve, do gelo, de cidades e de épocas. E a história desse Cara sendo levada por todos. Esquartejada por anônimos. Sendo dividida por estranhos. Me bateu uma tristeza ver aquilo. Uma existência inteira jogada no lixo e sumindo na mão de várias pessoas. Em poucos instantes tudo desapareceu. A história de uma vida se transformou em vários fragmentos que, isoladamente, não contam nada. Que na mão dessas pessoas não representam nada. Eu também sai de lá solidário com esse Cara e me perguntando: como é que pode?!

Escrito por Jarbas Capusso Filho

6 de outubro de 2008

Estamos juntos, mas já pratico o adeus para que a solidão, na sua ausência, seja apenas mais um momento como os outros que passaram raspando e ralando meu corpo.

25 de julho de 2008

Debruçada ela poderia esconder que a casa era pequena demais
pra eles.
Ela, ainda de bruços, soluçava ao saber que era só no hoje que cabia
o plural.
Preferia, então, um desmaio dentro da luz que criara no seu varal imaginário.
Foi dormir.
Sem querer.
Apenas porque se deitou ao chão e se cobriu com sua manta preferida.
Era ela, ali, se esquecendo, de propósito, do singular, já que sonhava sempre
com eles.

9 de julho de 2008

É preciso um enterro. Necessário um escárnio. E uma grama bem verde e selvagem. E o vento soprando e um abismo pra quando acabar. E um balão de bola de fumaça de fogueira. E amor pra não se esquecer que existe o amor.

1 de julho de 2008

http://luizangulo.blogspot.com/

Prosa de um bom novo dia
por Luiz Felipe Angulo Filho

Ouço o cheiro que esta fineza alcança, ao brilho eterno opcional dos diasde poesia: Se quero faço prosa, se não quero covardia.Não rimo mais minhas palavras pobres. Fui mesmo de prosa, abandonado da poesia. Mas esfrio-me de angústia às forças de linhas novas, em busca de gratidão ao meu novo dia. E, assim, sem querer as rimas se fazem, se encontram e atraem os olhos da leitura; Quero pensar que da vista faço o gosto, o sentimento e, alguma, literatura.Entrego ao tempo que foi também os nãos que minha boca serviu.Sou muito assim, meio Pastor de causas que compro, sincero e fiél. Se vou deprosa, não faço acordo com rima e deixo de contar as sílabas que meusdedos produzem. Preocupo-me agora com algum conteúdo, aproximar minha prosódia ao bom gosto e evitar de negar o que posso consentir.Ah... este monte de gente que se mexe enquanto proseio. São o mote de meus sentimentos. Tenho que alguns sequer sentiram o cheiro do dia, que pena... Faço reforço à opção que refiro-me em princípio, a opção de optar. Podes abjurar os tempos que se fazem nossos enquanto pisamos o chão, fazes-te um próprio objeto animado com a vantagem que morre um dia, a coisa persiste.Bom dia o de hoje para prosear.Acordei e continuo vivo, que alegria. São tantos os motivos que tenho aagradecer que medro por não conseguir fazer as outras coisas que tenho. Nãoposso fazer um ou outro, devo os dois. Por este caminho, aproveito a minha prosa para esconder ambas as atividades que devo: Em uma frase agradeço; Noutraadmiro.Tenho muita aflição por esta gente toda que anda sozinha. Podemesbarrar em um objeto qualquer e fazerem morrer aquilo que agradece por tudomais que o agressor! Mesmo que os pedaços persistam, talvez já esteja bom. Estimo, todavia, aqueles outros que choram de alegria por estarem, ainda, contrao vento dando licença aos sentidos.Quantos cortes de cabelo existem nestas cabeças? Já são de cores diferentes e de textura singular, uns parecem-se um pouco com outro, mas às vezes nem notam. Não sei que faço com estes todos, prefiro o dia que me mantém vivo e escrevendo. Prefiro o dia, ou a noite, aos donos destas cabeças de cabelos os mesmos. Guardo uma admiração secreta por estes, não posso contar o que, no entanto tenho por cada um uma avaliação completa de gênero, espécie e opção sexual. Que faço, se nem consigo manter a promessa de não usar o não? Já são vários nestas mesmas linhas, que já extrapolam o limite da compreensão. Portanto encerro, para evitar de fazero que não quero e volto ao meu ofício de continuar minha admiração.

http://bailedovoltar.blogspot.com

Palco
por Débora Aoni

Eu nasci para ficar no palco
Com luzes tão fortes, capazes de me cegar de tanta dor
Eu nasci para ficar sozinha
E viver sentimentos que não são meus
Pois os meus são demasiadamente desesperadores,
angustiantes, sólidos, frios
Eu nasci para viver o outro
E sofrer o outro
E sorrir o outro
E com isso
Achar uma luz para o meu próprio eu
No outro
Eu no outro
eu.
Soe uma luz tão forte, mas tão forte, que consiga, cega,
me levar para onde devo ir
para o palco da vida
da vida dos outros,
vivida tão viva por mim
meu corpo vai agüentar
minha mente vai entender
você aí, despeje-se sobre mim
estou aqui para te ter.

http://eletrocardiograma.zip.net

Infinito
por Paula Cohen

O casal mais apaixonado do mundo foi comemorar o amor e morreu junto em um acidente fatal. Então eles entraram juntos na eternidade com o prazer de levar o amor para o sempre.

23 de junho de 2008

Está gelada a ilusão. Concreta? Chegou ao fim?
Vejo versos pausados. Frui uma sensação de see you, baby! Foi bom enquanto...
Beat only from freezer. Loucos. Até logo. Ok. Meu estômago já ronca. Desconsidero as palavras repetidas por outras bocas. Quero apenas que morda meu queixo e não se esqueça que te pertenceu. Sim. Mesmo quando ele estava em outra boca.

10 de junho de 2008

lar, doce lar? ou: macacos, me mordam.

Quando um sentado está debruçado sobre os livros, o que me resta senão a velha rede chapada de recordações? Vocês podem me perguntar sobre qualquer questão psicológica e a resposta será sempre a mesma: sei lá, procura alguém especializado pra falar sobre o assunto.
Tenho um teto de concreto pintado de branco e queria ver um monte de tijolinhos com uma arandela ambientando. A luz da minha casa é de necrotério. Essas lâmpadas frias são um descaso para com a imaginação. Essas lâmpadas são insuportavelmente necessárias pra economizar na conta de energia e para os outros da casa lerem. Eu sempre vou preferir a luz de velas. Até pra ler e por que não? Ah, faz mal à vista! Pois bem, dia desses conheci uma dessas moças que moram na rua e ela estava lendo em frente ao cemitério da consolação numa completa penumbra. Sem vela e sem poste. E eu perguntei se não doíam os olhos dela e ela disse: graças a Deus minha vista é perfeita. Então, não se iludam com as luzes.
Gosto de beber água em caneca de alumínio. Quanto a esse material brilhoso, só gosto das canecas, mesmo. O resto acho dispensável. Se bem que bacia de alumínio é linda à beça.
Detesto não querer fazer absolutamente nada no dia de hoje. Pensei que hoje fosse amanhã, saca? Sei lá, achei mesmo e quando vi que não era, fiquei deslocada.
Preciso ir ao dentista urgentemente. Ando beijando e estou com cárie, eu acho, embora não as veja e não sinta dor de dente. Eu nunca senti dor de dente. Quando eu era mais nova eu me lembro da minha mãe colocando xilocaína no cotonete e me dando pra passar na gengiva. Mas não lembro o porquê, talvez porque não me lembre da dor. E eu acho que era xilocaína.
Dia desses um moço me conheceu e disse que me adora. Será? Sabe, eu fico com preguiça de investir, de me apaixonar. Treinei tanto o desapego que nem me apego pra desapegar. Tá tudo bem líquido, como diria Hilda Hilst ou o meu amigo Bakuna. Mas parece que com o moço vai rolar um afeto apegante desgrudado. Ainda bem que ele se locomove sobre rodas sem motor. Chega mais rápido, considerando a megatróglopide que é São Paulinho da ex-garoa e do ex-clube de regatas do Tietê.
Um beijo pro time do coração de cada um, inclusive pro ABC de Natal, onde o Papai Noel esqueceu a Mamãe Noel e os jogadores entraram em campo com tudo.
Salve-se quem puder de tanta baboseira, ou se preferirem: baboseira vem de babosa e babosa faz um bem danado pra pele e pros cabelos, recomendo.

t-r-a-n-s-e

Pan pan pan pan…

Pan pan pan pan…

Era assim que a música me chacoalhava inteira. Ela me deixava cobra se arrestando. Comprimia meus músculos. E eu, sem perceber, subia e descia paredes.

Entre um trago e outro de vodka, eu absorvia e exalava a energia sexual do último dia da minha vida. Apoiada sobre as ancas eu só conseguia suspirar. Parecia mais um urro de lobo na lua cheia. Um tigre que devorava e desencravava as próprias entranhas.

Uma gaita insistia em meus ouvidos. Uma incontrolável saudade banhava a demência daquele momento. E que saudade!

Um grito de porta quase me fez sair do transe egocêntrico. Os vinis, a essa altura, já estavam sob mim. Fizeram a cama e eu caí. Eu ruí. Os sons daqueles velhos amigos amaciaram a queda quase fatal. Amigos empoeirados.

Pan pan pan pan pan...

Pan pan pan pan pan...

A música insistia em me abandonar ao instinto sensual. Eu bolia com a maciez da vulva. Um líquido transparente deslizava tão devagar como se quisesse fecundar. Eu podia ouvir o seu barulho fértil. Algo em mim tentava vida própria, que ironia! A ironia da inconsciência.

Os vinis continuavam interessados na insensatez que os sucumbia. Curiosos, eles derretiam. A tinta das paredes derretiam. Os livros, em chamas. Os móveis pingavam o meu suor. O chão, receptáculo da loucura toda, se gabava. Os tambores tomaram conta.

O que for, que seja.

Enquanto isso eu fremia louca. Demasiado louca. Não era mais que um carvão em brasa. Os olhos escondiam-se na sua brancura. Os pingüins desfilavam dirigindo-se até mim.

Eu estava sentindo o frescor que eles traziam. Um frescor incrível como as ondas em alto mar. Eram fuzileiros da condenação. Eu ia ser fuzilada e só conseguia sentir o mais incrédulo de todos os prazeres que tive.

As luzes piscavam. Eu, cada vez mais, atordoada. Tonta. Transe pitoresco.

O abraço me atingiu. Senti o corpo trepidar. E ainda viva estive morta. Aquele abraço me abraçou de uma vez, sem sorrisos, sem ser educado ou gentil. Um abraço sem curvas.

Um líquido frio e cortante que flamejava. Fui perdida, esquecida naquele abraço. Desamparei a mim mesma. Decomposta e atestada morta.

Fidelidade X Honestidade

9 de junho de 2008

Jacaré
refém
suicidou-se

amém

"mundo
mundo
vasto
mundo"

jacaré
refém
secou
no rio

Molécula de água de uma nascente

as-sas-si-na-do


Molécula de água de um rio poluído


"mundo
mundo
vazio
mundo"

6 de junho de 2008

O olhar é oco
Ocelo
Acaso solitário
Escorre inóspito
Desmaia em abissal
Dautonismo

Células dançam.
Não morrem.
Moléculas.
Estamos.
Mover a não essência.
Pra quem conhece, aprenda a desconhecer, só pra conhecer melhor e deixar de acreditar que o que é será pra sempre.

3 de junho de 2008

Umbral

Constante. O tempo todo. Cansa. Descansa numa rede qualquer pra ver se encontra outros ou outras. Me larga. Tem tantos e tantas por aí. Enjoei. Enjoada de ser sempre eu a bela de todas as horas. Dilata. Me deixa escapar desta sua contração. Parto. Esmaga. Larga. Seqüela nada paralela. Transversal. Rua acabada de ser colocada no mapa. Cidade qualquer. Dia comum. Sem classificação. Catadora de papel sujo e plástico derretido. Nada.

30 de maio de 2008

Austregésilo Carrano


foto do Clayton, do jornal eletrônico Ponto de Fuga (http://www.pontodefuga.jor.br/)

Com pesar anuncio a morte de Austregésilo Carrano.

Nos conhecemos há quase um ano atrás na mesinha do bar do Espaço dos Parlapatões, Patifes e Paspalhões, no centro de São Paulo. Na semana seguinte estaria ele no Satyros Um, autografando seu livro. Depois, encontrei ele na Benedito Calixto, vendendo seu livro, O Canto dos Malditos, no espaço Plínio Marcos. Nesta mesma tarde, fomos assistir, no Espaço Cultural Alberico, o filme Brasil, de Rogério Sganzerla, seguido de uma conversa com a atriz e diretora de cinema e teatro Helena Ignez. Lembro de Austregésilo pedindo para eu dizer a ela que eu era atriz e que eu pegasse o contato dela para mandar meu material depois. Não fiz nada do que ele sugeriu. Sou assim mesmo, não me ligo em ficar me divulgando quando o assunto não tem nada a ver comigo. Sou chatona.

Mais à noite, encontrei ele, o pessoal da Poesia Maloqueirista e outros amigos. Fomos num barzinho e depois colamos na minha casa e bebemos os resquícios de bebidas alcoólicas que ainda nos restavam(um fim de vinho, um fim pinga, um fim de vodka). Esperamos mais um pessoal chegar e fomos rumo à uma festa na casa de um ator do Teatro Oficina. Alguns foram de carro e outros, caminhando. Entre os caminhantes estávamos nós, Austregésilo e eu, e fomos conversando até chegarmos a tão cobiçada festa. Uma noite muito agradável para todos nós, que nos conhecemos melhor e ainda colhíamos bons frutos desde então.

Um cara simples. Um cara que deixa saudade. Era muito bom poder encontrá-lo ali, tão pertinho da minha casa, na Benedito Calixto. Com certeza uma pena essa perda. Um transplante que não chegou a tempo. Muito triste mesmo. Uma fila para continuar vivendo. Triste demais. Talvez eu deixe de reclamar tanto das filas de contas a pagar.

Vai com Deus, querido.

Abaixo, um texto, sobre o Carrano, que “roubei” do blog de Flávio Jacobs e logo em seguida, um texto da wikipédia.

1957-2008 Morre autor que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças Morreu na noite de ontem em São Paulo o escritor e ativista curitibano Austregésilo Carrano Bueno. Carrano ficou conhecido pelo seu livro Canto dos Malditos, em que denuncia os maus tratos em hospitais psiquiátricos, narrando sua trajetória por diversos deles em Curitiba e Rio de Janeiro. O livro deu origem ao premiadíssimo filme Bicho de Sete Cabeças, de Lais Bodanzky, que alavancou a carreira de Rodrigo Santoro no cinema. Santoro viveu o personagem alter-ego de Carrano, e suas agruras nos hospícios. Nos últimos anos, Carrano destacou-se também como dramaturgo e ativista, na luta pela melhoria das condições dos hospitais psiquiátricos de todo o Brasil, sendo um expoente da chamada luta anti-manicomial. Morreu de complicações geradas por um câncer de fígado. Sabe-se que o escritor aguardava um transplante há mais de um ano. O falecimento deu-se por volta das 17 horas de ontem, dia 27. O corpo chega a Curitiba na manhã de hoje (28) e será sepultado no cemitério Iguaçu, às 17h.


Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Austregésilo Carrano Bueno foi um escritor brasileiro, integrante do Movimento da Luta Antimanicomial. Autor do livro "Canto dos Malditos" onde conta sua experiência nos hospitais psiquiátricos e denuncia os absurdos cometidos diariamente nessas instituições. O livro baseou o premiado filme "Bicho de Sete Cabeças". Morto aos 51 anos, na tarde de 27 de maio 2008.
Nasceu em 1957, em
Curitiba, Paraná. Em 1974, então com 17 anos, era usuário de maconha e outros medicamentos de uso restrito. Quando o pai de Austregésilo encontrou alguns cigarros de maconha no bolso de uma jaqueta do filho, resolveu interná-lo em um hospital psiquiátrico, para tratar de seu vício (embora admitisse que era apenas usuário). Sem ao menos ter sido examinado, em um período de três anos, Austregésilo foi transferido de um hospital a outro, submetido a torturas e eletrochoques (no total de 21 sessões). Isso durou até que, desesperado, ateou fogo em sua própria cela, sendo retirado a tempo. O ato despertou seu pai, que o tirou do manicômio. Desajustado pelos eletrochoques, pela sedação pesada e torturas variadas, ele acabou sofrendo também nas mãos da polícia, que lhe proporcionou doses extras de humilhação e espancamento.
Morreu na tarde de 27 de maio de 2.008, aos 51 anos. Austry estava internado no Hospital das Clínicas, na zona oeste de São Paulo. Ele morreu em razão de uma infecção generalizada resultado de um câncer no fígado.
O autor foi a primeira pessoa no Brasil a mover uma ação indenizatória por erros de diagnóstico, tratamentos torturantes e crimes contra médicos psiquiatras, em 13 de maio de 1998. Porém, foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná a pagar a médicos psiquiatras e seus familiares 60 mil reais de indenização por danos morais devido as críticas aos "médicos" contidas em seu livro. Uma segunda ação, agora por parte das famílias dos médicos mencionados em seu livro, conseguiu que "O Canto dos Malditos" fosse retirado de circulação das lojas e livrarias de todo o país.
Foi o representante nacional dos usuários na reforma psiquiátrica do Brasil. Homenageado em 28 de Maio de 2003 pelo Ministério da Saúde e pelo Presidente da República Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, por sua Luta e Empenho na Construção da Rede Nacional de Trabalhos Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos no Brasil.

27 de maio de 2008

A Musicista (1929) & Ametista (1946).
Tamara de Lempicka, óleos s/tela.
Imagens: www.mystudios.com & www.goodart.org
Diagnosticado
os alados das ruas noturnas.
Experimentado
outro lábio antes da sua passagem.
Encontros casuais
Transes ofegantes
Uma espécie de sentido orna alguns instantes
Delirantes
Delirantes
De lírios líquidos
Passantes
Em veias salpicantes
Antebraços
Vibrantes
Desconsertantes
Dormente acordante
Desfilas
Ala da saliva derrapante
Só mais um momento
Dentro
Desse instante
Desorientante
Olhos In praticantes

12 de maio de 2008

soul



Bin - Você tem medo?

Bakuna - De que? Você não diz nada com nada.

Bin - Do terrorismo?

Bakuna - De qual terrorismo?

Bin - Como assim, “de qual terrorismo”?

Bakuna - Desses de homens encapados em fios-bomba? Extermínio de presos nessas cadeias imundas? Pit-bulls que dilaceram seres humanos indefesos? Seqüestros, assaltos a mão-armada? É desse terrorismo que você está falando?

Bin - Claro! E de qual haveria de ser, oras?

Bakuna - O terrorismo de não ser, “oras”!

Bin - Como assim?

Bakuna - Quem é você?

Bin - Que pergunta é essa?

Bakuna - Quem é você?

Bin - Eu tenho um nome, endereço fixo, emprego fixo, amigos, previdência social, salário, conta bancária...

Bakuna - E o que tem de você nisso tudo?

Bin - Oras, como assim?

Bakuna - Você existe?

Bin - Dá pra ser mais claro?

Bakuna - Claro. As coisas existem em você. Um beijo virou mercadoria no seu dia-a-dia. A lua é apenas um ornamento que pode ou não caber dentro do seu orçamento. O que você diz ser, é fantasioso. Você só aceita a receita. Seu bolo é padronizado. A sua vida já deixou de ser alquimia faz tempo. E seu tempo, então? Cronologia pura. As suas horas estão desgastadas no chão de concreto e fabricação barata que você pisa. Seus crimes são contra sua própria essência. E você sequer percebe que você nem existe. Te encaparam de um jeito tão belo pros padrões que faz tudo parecer sonho. Um sonho que de onírico só resta a piedade alheia.

Bin - Eu acho que você é louco!

Bakuna - Conclusão prática pra encher os hospícios.

Bin - Você é louco.

Bakuna - Por que você não se mata? Em nome de ser quem você é. Pronto! Um harakiri em nome do seu nome, de seu estilo de vida? Você teria coragem?

Bin - Não tinha pensado nisso...

Bakuna - Eu poderia dissertar sobre os mártires do suicídio. Eles serão eternamente lembrados. O que você acha de entrar pra história como eles? Só te falta isso pra você provar ser quem você é... E então? O que você acha?

Bin - Você me ajudaria?

Bakuna - Taí uma coisa que sei fazer muito bem!

Bin - Você vai descrevendo sobre os mártires enquanto eu vou sumindo.

Bakuna - Podemos começar agora?

Bin - Preciso me preparar.

Bakuna - Pra morrer?

Bin - Não, pra entrar pra história!

Bakuna - Claro!


“Dissoluta dissoluta ingrata”

O homem acusava a moça, simplesmente porque não conseguia enxergar suas próprias fraquezas. Talvez a palavra mais certa não seja “fraquezas”, mas sim algo que seja mais suspenso – ainda não consegui achar a palavra certa – deixemos fraquezas, que neste exato momento pode ser substituída por franqueza. Pode até parecer que muda o sentido daquilo que o homem não conseguia enxergar, mas só parece. De fato ele também era desprovido de franqueza - franqueza com ele próprio – e isso tem sua gravidade. É fácil se suspeitar gravemente de alguém que não reconhece em si mesmo sequer o seu comecinho – quem dirá então... Há que se percorrer um caminho eterno, há que se percorrer um caminho o qual, ao seu final, se vejam coroas de flores e lápides enfeitando a nova morada daquele que alcançou a eternidade no cemitério ou no crematório.

17 de abril de 2008

Simples

E eu que achei o impossível tão mágico que não conseguia nem imaginá-lo tão mágico que era. Era tão impossível quanto a chuva ou a gota de orvalho ou uma árvore ou a flor ou a lua ou o mar ou o corpo ou... o abraço não existe mais... era só imitar a natureza e ele poderia existir de novo. O mais simples está se tornando impossível “quando teria sido o óbvio”.




6 de março de 2008

TRANSMUTAÇÃO

CAOS
TERRORISMO POÉTICO
&
OUTROS CRIMES EXEMPLARES
Por Hakim Bey

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O que isso diz a você não é prosa.
Pode ser pendurado no quadro de avisos,
Mas ainda está vivo & retorcendo-se.
Não pretende seduzí-lo,
A não ser que você seja de extrema juventude & beleza
(anexe uma foto recente)

Hakim Bey mora num decadente hotel chinês onde os proprietários balançam a cabeça de um lado para o outro enquanto lêem os jornais & escutam transmissões estridentes da Ópera de Pequim.
O ventilador gira como um dervixe indolente –
Suor pinga sobre a página –
O cafetã do poeta está encardido,
Seus cinzeiros derramam cinzas no tapete –
Seus monólogos parecem desconexos & levemente sinistros –
Por trás das janelas fechadas,
O gueto desaparece entre palmeiras,
O ingênuo oceano azul,
A filosofia do tropicalismo.

Numa estrada em algum lugar a leste de Baltimore,
Você passa por um trailler Airstream
& enxerga uma grande placa plantada na grama:
LETRAS ESPIRITUAIS,
Com a imagem de uma rude mão negra sobre um fundo vermelho.
Lá dentro,
Você encontra livros sobre sonhos & numerologia,
Panfletos sobre vodus & macumba,
Revistas de nudismo velhas & empoeiradas,
Uma pilha de Boy’s Life,
Tratados sobre briga de galos...
& este livro,
Caos.
Como palavras ditas num sonho,
Portentosas,
Evanescentes,
Transformando-se em perfumes,
Pássaros,
Cores,
Música esquecida.

Este livro se mantém à distância por uma certa impassibilidade em sua superfície,
Quase que visível através de um vidro.
Ele não abana o rabo & não grunhe,
Mas morde & estraga a mobília.
Ele não tem um número ISBN & não o quer como discípulo,
Mas pode seqüestrar seus filhos.
Este livro é nervoso como o café ou malária –
Ele cria,
Entre si & seus leitores,
Uma rede de desertores & outsiders –
Mas é tão cara-de-pau & literal que praticamente se codifica –
Fuma a si próprio em estupor.
Uma máscara,
Uma automitologia,
Um mapa sem nome de lugar nenhum –
Hirto como uma pintura egípcia que,
No entanto,
Logra acariciar o rosto de alguém &,
De repente,
Encontra-se na rua,
Num corpo,
Envolvido em luz,
Andando,
Acordado,
Quase satisfeito.

ESTE É 1 PEKENO TREXO ESTRAÍDO DE SEU TESTO QUE ME POSUI COMO REFÉM NESTE EZATO MOMENTO.

12 de fevereiro de 2008

Todo o Sentimento
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque e C. Bastos
Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo
da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
e urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.