20 de dezembro de 2007

Nelson Rodrigues

"A alegria não pertence ao teatro. Nem o otimismo. O teatro ou é desespero, ou não é teatro. É um pátio de expiação. Devíamos assisti-lo não sentados, mas atônitos e de joelho. Na verdade, o que ocorre no palco é o julgamento do mundo, o nosso próprio julgamento. E o grande teatro é aquele que faz o espectador crispar-se na cadeira, numa angústia de condenado."

19 de dezembro de 2007

Blues da Piedade (cazuza)

Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo, derrotados
Dessas sementes mal plantadas
Que já nascem com caras de abortadas
Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo
Que não têm
Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas mini-certezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia
Pra quem não sabe amar, fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.
Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar os blues
Com o pastor e o bumbo na praça.
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade

9 de dezembro de 2007

Do Desejo
de Hilda Hilst

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
(Do Desejo - 1992)

* * *

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
( Do Desejo - 1992)

* * *

Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível

E o que eu desejo é luz e imaterial.

Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
(Da Noite - 1992)

(Do Desejo - Campinas, SP: Pontes, 1992.

4 de dezembro de 2007

Alcoólicas
de Hilda Hilst

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.
(Alcoólicas - I)

* * *

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
(Alcoólicas - II)

* * *

E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.
(Alcoólicas - IV)

* * *

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.
(Alcoólicas - V)
Hilda Hilst
"Aflição de ser eu e não ser outra./Aflição de não ser, amor, aquela/Que muitas filhas te deu, casou donzela/E à noite se prepara e se adivinha/Objeto de amor, atenta e bela./Aflição de não ser a grande ilha/Que te retém e não te desespera./(A noite como fera se avizinha)/
Aflição de ser água em meio à terra/E ter a face conturbada e móvel./E a um só tempo múltipla e imóvel/Não saber se se ausenta ou se te espera./Aflição de te amar, se te comove./E sendo água, amor, querer ser terra."

12 de outubro de 2007

Ingmar Bergman

“Só posso dar a vc uma idéia da minha própria esperança. É saber que o amor existe de verdade no mundo humano.

Um tipo de amor especial, suponho?

Todos os tipos.

Então o amor é a prova de Deus?

Não sei se o amor é a prova da existência de Deus...ou se é o próprio Deus.

Para vc amor e Deus são a mesma coisa.

Esse pensamento ameniza o meu vazio e meu desespero sórdido.

Fale mais, papa...

De repente, o vazio se transforma em abundância...e o desespero em vida. É como a suspensão temporária...de uma sentença de morte.”

(Através de Um Espelho, o primeiro filme de sua Trilogia do Silêncio)
"Veja só!Eu venci a paciência!
É sempre possível quando trapaceamos.
Está enganada. A paciência é a única coisa na vida que requer honestidade absoluta."
(Sorrisos de Uma Noite de Amor)

27 de março de 2007

Charles Baudelaire

"Embriague-se.
Somente isso importa: é o único problema!
Se não quer sentir o horrível peso do Tempo que pesa sobre os seus ombros e o esmaga, embriague-se sempre.
Com quê?
Com vinho, com poesia ou com virtude.
Com o que queira.
Porém embriague-se.
E se, por vezes, na escadaria de um palácio, ou na borda verdejante de um vale, ou na desolada solidão de seu quarto, despertar e sentir que a embriaguez se dissipou em parte ou totalmente, pergunte que horas são ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que voa, ou suspira ou se move, ou canta, ou baila...e o vento, a onda, a estrela, o pássaro e o relógio lhe responderão: É hora de embriagar-se!
Embriaguem-se todos, se não quiserem ser os escravos martirizados do Tempo!
Embriaguem-se sem cessar.
Com vinho, com poesia, com virtude, a seu bel-prazer!”